domingo, 9 de junho de 2013

Mesmo assim, ela chorou

O desfecho já era conhecido. No fim ela morre.
Tudo começou na praia, entre uma caipirinha e fogos de artifício. Um olhar marcante. O adjetivo é comum, o olhar, não. Marcante pelos contornos naturais, pelos fortes desenhos negros e vigorosos do cajal. Olhar convite. Decifra-me. Desafio aceito.
Logo na primeira página a certeza de ter perdido o desafio. Os ganhos seriam outros. Tão intensos quanto o olhar. Desculpe, marcantes. Olhares marcantes. Intensos, foram os sentimentos que entraram pelo umbigo. Pelo umbigo, sem pedir licença, e foram se apoderando visceralmente do que encontravam pela frente. Intestino, estômago, abarcaram pâncreas, rins e vesícula em movimentos quase bruscos. E como se soubessem que o mais fundamental dos órgãos precisasse de mais talento, cuidado e zêlo, diminuiram a velocidade até chegar ao coração. Pela falta de ar que algumas passagens provocavam, foi possível acreditar que os pulmões haviam sido massacrados. Era apenas identificação, cumplicidade. Bruxaria, talvez.
Neste ritmo compassado de quem ama e respeita, o último órgão foi envolvido. O cérebro, inerte e sem vida, por onde só a razão passa, não era foco. Nele algo se alojaria para sempre, sem que força fosse necessária.
Abandonando a impetuosidade inicial, aproximaram-se do coração pedindo licença, com jeito, carinho, manha dengosa. Manha de amor, de bem querer. Ali ficariam por tempo indefinido. Compaixão ou cinismo? Definição sem importância. Já estavam lá.
Como era de se esperar, a avalanche se deu na última página. Clarice morre. Fato conhecido desde a primeira.
Mesmo assim, ela chorou.


Itaipava, RJ
Foto: Sylvia Beatrix

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Prendas domésticas

Chinelo de dedo, unhas pintadas de exagero.
Braço de pele cerzida.
Trinta pontos e cinco arremates.
Entupido de cana e ciúme, Tomas acariciou Nilza com a peixeira. 
Bobagem, diz ela, coisas do amor.









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