sábado, 31 de dezembro de 2011

Feliz VOCÊ, seja lá qual for o ano

Nasci em sessenta e três.
Quarenta e oito anos se passaram desde então e algumas coisas aconteceram. Já tenho algumas histórias para contar.
Enterrei pessoas queridas e amadas e fui a pessoa que discursou nestes funerais. Homenagear aqueles que amamos com a voz embargada é tarefa das que menos gosto. Aprendi que é melhor fazer isso aos poucos, mas todos os dias. Nem sempre consigo praticar...
Vi nascerem crianças amadas e contribuí com a vinda de duas delas. Ganhei outras duas de presente e por escolha, trabalho/aprendo com outras tantas que foram rejeitadas.
Fui sequestrada duas vezes, uma delas com minha filha no carro e com uma arma apontada para sua cabeça de apenas cinco anos. Esta mesma filha, por descuido do pediatra, caiu da mesa de exames e entrou em choque. A culpa ficou comigo.
Entrei em depressão, fui parar no hospital e a única coisa que tiveram certeza é que não sabiam o que eu tinha. Cogitaram tentativa de suicídio. Eu? Me poupe... Sou covarde demais para isso.
Ao nascer o primeiro grande amor incondicional da minha vida, Lucas, quase morri com a quase morte dele.
Emagreci, engordei e tornei a emagrecer. Engordei de novo. Crescer, só um metro e cinquenta e seis centímetros.
Namorei, transei com amor e sem, beijei, abracei, casei, descasei e casei de novo. Fui feliz e triste. Chorei e gargalhei. Fiquei impassível também. Desejei muita gente que nem me olhava. Fui incapaz de perceber os que me queriam.
Rejeitei muita gente que depois aprendi a respeitar. Meu padrasto é um exemplo vivo disto. Bem paciente ele...
Já ganhei muito dinheiro e gastei tudo. Fiz faculdade, curso de tarô, de escrita criativa, eneagrama, programação neurolinguistica, coaching, desenho, pintura em cerâmica e também fiz nada muitas vezes e por muito tempo.
Privilégio de poucos, eu sei, pisei em todos os continentes deste mundo, morei na Alemanha e voltei para São Paulo. Viajei só e não gostei e também já viajei acompanhada e não gostei. Amores foram desfeitos neste trajeto e algumas amizades também.
Falei muito palavrão, xinguei no transito, sofri acidentes.
Passei por revista em cadeia para visitar alguém que eu muito amava, descrente que estivesse envolvido em assassinato. Estava envolvido, foi preso, julgado e condenado. Chorei.
Tive compaixão por assassina de Yorkshire e ódio mortal de motoqueiros que levaram meu espelho lateral. Fui incoerente, confusa e me senti pequena.
Disse coisas que magoaram alguma pessoas. Todas muito generosas, me perdoaram. Eu também perdoei.
Fui à igreja, mesquita, sinagoga, centro de umbanda, candomblé e espírita. Pedi, desavergonhadamente, para qualquer santo, orixá ou rabino que concretizasse os meus desejos. Arregacei as mangas também.
Tenho medo.
Assim como o sol nestes quarenta e oito anos, o medo é presença constante. Amigos íntimos. Crescemos juntos e eu aprendo muito com ele.

Estou esquecendo de muitas coisas e outras estou omitindo mesmo.
Vou passar a meia noite deste trinta e um de dezembro de dois mil e onze numa super festa e minha mãe passará no hospital se recuperando de uma cirurgia cardíaca. A vida é assim mesmo, extremos inclusive na virada do ano.

Tem fatos que eu gostaria que tivessem sido diferentes outros que não tivessem existido e de muitos tenho saudades e jamais serão revividos. Apenas lembrados.

Gosto do fato de poder estar celebrando mais uma virada, sem saber o que me aguarda, quem vou conhecer, quais fatos novos exigirão de mim o melhor que tenho para oferecer e diante dos quais irei me acovardar. Sei que estarei aqui para o que der e vier. Assim como você.

Feliz você!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Um conto de bacalhau


Depois dos quarenta, quem nunca usou óculos começa a sentir a necessidade de usá-los. Tudo o que está mais perto fica embaçado, como por exemplo o rosto dos seus filhos quando vai beijá-los ou as letras dos jornais e revistas que ficam bem menores. Sacanagem.
Portanto, quando este momento chegar, sempre - eu digo SEMPRE, vá ao supermercado com seus óculos.

Amigo secreto sorteado via internet - uma diversão! A sua sobrinha internética faz perguntas, responde e ri sozinha no grupo. Uma farra!

A lista de quem leva o que também já está pronta - a madrinha se encarrega das frutas, a Nonna leva o tender com purê de maçã, os amigos vão trazer o frango com as maravilhosas batatas, sua irmã e o filho chef de cozinha, as sobremesas. E você, o bacalhau. Ninguém pediu, você se ofereceu.

Chegou o Natal. Lista de supermercado em punho, as crianças te acompanham para a saga de fazer compras no dia 23 - uma cuida dos itens para o café da manhã (os primos sempre dormem em casa), outra vai cuidar dos petiscos e aperitivos. E você, como não poderia deixar de ser, vai cuidar dos itens para o bacalhau. E sem óculos.

Fase 1. Por mais de 24 horas o bacalhau fica de molho prá dessalgar. Várias trocas de água e a derradeira no leite. Isto eu já sabia. A novidade surgiu quando começou a luta para separar a pele. O que era isso? Puxa de um lado, passa faca afiadíssima de outro - e nada. Cavoca ali, levanta acolá e a pele resistindo. Você liga prá sua mãe, torcendo para que haja um método mais simples. Tem sim, comprar pronto ou congelado, sem pele e sem espinhas.  Piadinha mais fora de hora...

Terminada a fase 2, pele arrancada, na fase 3 descubro que, na vida de um chefe de cozinha a parte mais importante é o auxiliar de cozinha. Ele picada, descasca, lava, separa, coloca nas medidas certas - e provavelmente, também teria tirado a pele. Mas você não tem um auxiliar de cozinha.  Cebola, alho, tomates e ovos estão todos à sua espera. A azeitona portuguesa também. Como você foi sem óculos para o supermercado ela está... com CAROÇO! Qual a razão de escreverem com letras tão miúdas nas embalagens?
Cebola refogando no azeite  e o bacalhau acompanhando o cozimento, é hora de se dedicar às azeitonas... uma a uma... Incrível como podem ser tão diferentes uma das outras.  Algumas só de olhar, o caroço sai. Outras, você dá tres pulinhos e pede prá São Longuinho  te ajudar a encontrar uma maneira mais fácil de tirar esse caroço.  Suspira e pensa... ainda bem que vão mastigar mesmo, assim não percebem a diferença entre azeitona sem caroço e azeitona esmigalhada. Muitas ficaram esmigalhadas. E não tenho muita certeza se alguma azeitona foi para o lixo e o caroço para a panela...

Agora é só esperar. O tempo e o fogo baixo farão todo o resto. Satisfeita, sorrio - logo todos chegarão e o momento de partilhar um dos momentos mais amorosos do ano se aproxima. 

Torcer para o bacalhau não estar muito salgado...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Desfecho único


Bateu forte e pausadamente antes de entrar. Por hábito não por cortesia. Antes do terceiro som seco na madeira, a porta se entreabriu. O cheirume escuro, fétido e abafado, entra em suas narinas e encontra em seus pulmões um lar. Sorri.

Cinzeiros entupidos e espalhados no canto da sala, sobre a pia da cozinha, na mesa de jantar e pacotes de cigarro ainda fechados... que déjà vu. Como são repetitivos... Bitucas pelo chão, carpete queimado, cama desfeita. Eu poderia ter vindo aqui antes...

Caminha como se flutuasse pela quitinete, afastando de si as latas amassadas, pratos com restos de comida e roupas que encontra. Está em casa. Em mais uma.

O laptop aberto sobre a mesa de centro, ilumina o suficiente. Um sinal de vida pisca... pisca... pisca... na tela de cristal líquido... pisca... pisca... pisca... continuo... ritmado... pausado... pisca... pisca... pisca... Um dia você também irá parar....

Irradiando incoerência sobre a mesa, pousa uma pequena colher de prata. Em seu cabo torto está gravado Cristiano Anderson, 4  de agosto 1975.  Hoje em dia não fazem mais isso.... Presente para recém nascido é fralda descartável, colher de plástico e comida de potinho. E ainda assim sobrevivem.

Organizados ao lado da colher estavam a vela, os fósforos queimados, a seringa e o pó branco. Ordem, alguma sempre precisa existir.

Recostado na poltrona puída, estava o motivo da visita.
A silhueta azulada e sem pulso,  queixo encontrando o peito e braços pendendo ao lado do corpo tinha em seu colo um livro. "O limpador de chaminés - Hans Christian Andersen". Exageradamente óbvio...

Cutucou a massa inerte e ordenou. Venha.
A sombra do que antes era um ser desprendende-se do corpo e obedece ao comando. Confusa, atordoada, sem o peso da matéria mas com as amarras da vida pregressa cumpriu a ordem imposta.

Idiotas insistentes. Vamos para o próximo... 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Manual

Compro celular novo. Leio o manual. Televisão? Idem. Relogio de parede? Também. Eu gosto de ler manuais. Pode até ser o da sua maquina de lavar roupa.
Produto de um lado, manual do outro, mexe aqui, vira acolá e... voilá! Como diria minha amiga R.D., fico toda pimpona depois que a traquitana está funcionando.
Nos remotos tempos de teste vocacional, do tipo "feito nas coxas", recebi um resultado sugerindo que eu trabalhasse com Organização e Métodos. Nem existe mais isso, trocaram de nome e, até eu enquanto escrevo isto, dou risada com a imagem de que eu pudesse organizar e dar método a alguma coisa... Pois sim! Para isso existem os manuais - que os outros escrevem e com os quais, me delicio.
Além da quantidade infinita de manuais, existem os livros que ensinam qualquer um a fazer qualquer coisa. Estes são bestsellers - podem conferir nas prateleiras da casa de minha mãe. Precisa trocar pia? Tem um livro prá isso. Consertar torneira. Tem, sim senhor. Chuveiro, porta, para organizar armários, prateleiras, gavetas, tirar manchas, etc, etc, etc Todos os assuntos nas prateleiras das Saraivas e Culturas da vida.
Há muito tempo, exatamente dezenove anos, tenho procurado um manual único - ninguém tem, todos procuram e alguns poucos são experts autodidatas na matéria.
Se voce que está lendo, souber de um exemplar, por favor, me empresta.
É o manual "Como ser uma boa mãe e abandonar o sentimento de culpa".
Eu juuuuuuuuuuro que leio rapidinho e devolvo. Prometo.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Enquanto isso...

... na fila do caixa:
- Aí eu falei prá ele, tipo assim, meu, não vai falar nada!?
- E ele?
- Ah, com uma voz besta, falou.. desculpa...
- E você?
- Ah, eu falei "o que?"
- E ele?
- Ah, falou "já disse, to pedindo desculpa aí ô"...
- E você?
- Pô, quem pede desculpa desse jeito, meu? Cara ridículo... Aí eu falei...

...

... no elevador:
- Garanto, estamos alinhados. Dei uma dura no cara, enquadrei mermo.
- Tava na hora, prá ser sincero contigo cara, já tinha passado da hora...
- Eu sei, broder, eu sei... mas é complicado
- Cara, pode ser complicado, mas com a grana que tá rolando tem que descomplicar...
- É, eu sei... eu sei... tem que enquadrar... tem que enquadrar...

...

... na livraria:
- Nossa que bacana! O encontro deve ter sido demais!!
- ...
- Isso é super estimulante...
- ...
- AAHHHHHH NÃO A-CRE-DI-TOOOOOOO!!! Amore, tenho que desligar... eu pre-ci-so beijar e abraçar quem eu encontrei aqui!! Nooooooossa que saudade!!! Re, vou desligar, vou desligar... CARAAAAAAACA, eu tava pensando em você!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...