terça-feira, 28 de setembro de 2010

O vaso

Droga, meleca, porcaria...

Hoje eu não saio daqui. Vou ficar bem quietinho. Ainda bem que tá frio, assim parece que eu ainda estou dormindo. Se abrirem a porta, fecho os olhos. Se chamarem meu nome, finjo que não ouvi. To sentindo meu coração na barriga. To sentindo um frio na barriga. Nem sabia que a barriga sentia tanta coisa assim. Até parece que foi ela quem quebrou o vaso ontem. Vou cobrir a cabeça com o cobertor e enfiar a cara na parede – assim a mamãe não me vê. Vai pensar que já saí prá brincar. Mas e depois, quando eu voltar? Como vai ser? Me escondo! É isto, me escondo, ninguém me encontra e vão ficar tão preocupados que nem vão se lembrar do vaso. O vaso, ai, o vaso... Quanto tempo precisa prá alguém esquecer alguma coisa? Os cacos já foram descobertos? Acho que sim. Não, acho que não, se a mamãe já tivesse encontrado o vaso morto, teria entrado no quarto e me tirado da cama. A Gabi viu e vai contar prá ela. Intrometida. Se ela contar prá mamãe eu conto que ela não é mais BV. Acho que isso é pior do que quebrar o vaso da bisa. E se não for? To danado... Que vontade de levantar. Não vou. Deus me livre! Como vou contar? Não vou contar. Conto ou não conto? Melhor não, ela nem vai reparar... Vai sim, ela repara em tudo. A culpa não foi minha, mas ela vai dizer que foi. Ela sempre diz que eu sou o culpado. Tô ficando com fome, queria tomar café. E sair daqui? Melhor não... Droga, agora a barriga tá roncando... Que barriga agitada! Vou me ferrar por causa dela – fica aí, roncando, cheia de fome, eu me levanto, vou prá cozinha e dou de cara com a mamãe. Essa barriga não tá me ajudando! Pára, barriga... pára! Vou dormir, isso... dorme, Tiago, dorme... Não consigo. Minha perna já tá doendo de tanto ficar aqui encolhido. A barriga roncando de novo... ai que fome... Meu Yakultinho... acho que ainda tem um na geladeira. E se a Gabi tomou o último? Ela me paga! Ai que fome!!! Vou levantar, tá tudo quieto... A mamãe deve estar dormindo ainda. Isso, levanto, tomo meu café, volto prá cama e me escondo de novo debaixo das cobertas... Isso mesmo... vou bem quietinho, sem fazer barulho, pé ante pé, ninguém à vista, corredor livre, porta da cozinha logo à frente, vai dar certo...

- Tiagoooooooo!!!!!

Droga, meleca, porcaria. Acharam o vaso...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Tempos de escola



Riobranquinos queridos.
Alguns perto, outros longe - mas às vezes sinto que ainda estamos na mesma sala. Talvez, esse seja um dos milagres da vida cibernética. Espero que curtam a pequena homenagem a todos nós - e que fiquemos com vontade de organizar o famoso happy hour!

Era uma vez uma mulher com saudade de ser menina. Ela queria voltar a brincar e ter colegas de classe. Sentia muita saudade dos seus tempos de escola. Não pensem vocês, que a saudade era dos professores de quimica, física, matemática, não, nada disso. O vazio era do pertencer à turma, dos colegas, das risadas, das broncas recebidas pelos professores – ou seja, das pessoas e das peraltices.

Como queria brincar, começou a pensar com o que iria se divertir. A vantagem agora era o poder de escolha. Sorriu para si mesma, queria brincar com palavras. Procurou uma casa, onde o saber imperava, os livros estavam por todas as partes e as letras... ah! as letras, poderiam ser agrupadas, cuidadas, mexidas e remexidas a seu bel prazer.

Um sonho começava a tomar forma.

Timidamente, no mês das águas que rolam, chegou à sua nova escola. Local aconchegante, azul da cor do céu. Sentou-se. Não precisou de muito tempo para ter a certeza de que os próximos meses seriam maravilhosos. Estava mais do que feliz.

À sua frente, ela, a professora. Gostou do tom da voz, sem conseguir definir se era grave, rouco ou meio agudo. Para ela, era suave. Deliciosamente suave, principalmente quando lia os textos a serem estudados. Fascinação.

Ao seu lado, professores sendo alunos, jornalistas libertando seus escritos, enólogos apaixonados, viajantes incansáveis, adolescentes criativos, de tudo um pouco. Daqui e de lá. Miscelânea. Melhor seria dizer, Babel mas no melhor da sua compreensão. Como o vinho, o tempo contribuiu para o entrosamento e amadurecimento do grupo. As brincadeiras começaram.

As letras combinadas formavam palavras que a cada semana alimentavam cada um de nós pela beleza de textos que produziam. Algazarra pura!

Porém como todo vinho, que depois de aberto e degustado chega ao seu fim, o tempo de brincar findou-se. O sabor, as sensações evocadas, os momentos vivenciados – esses ficaram. Diamantes lapidados e eternos.

E a menina, que naquelas aulas tomou o lugar da mulher, brincou, riu e se emocionou como há muito tempo não acontecia. Feliz, voltou a pertencer. E, para sua surpresa, agora também sente falta da professora.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Jetéme

Ela gostava do som...
Não tinha a menor idéia do que significava.
Queria saber mesmo, é se ficava bom com farinha.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Qual será o fim da historia?

Vou te contar uma historia...

Em algum canto, escondido na alma, repousava o Sonho. Preguiçoso, com pinta de acomodado mesmo. Não estava nem aí pra nada.


 
Um dia, sem mais nem menos, a Preguiça foi embora pois tinha muito menos o que fazer em outras praças - essa aqui estava começando a se agitar. Como lobo em pele de cordeiro - pelo lado avesso da historia da carochinha - assim que a Preguiça saiu, a Vontade apareceu com uma baita força.

Uma sucessão de fazeres e aprenderes, inofensivos na aparência, tiveram inicio.
Faz daqui, aprende lá, procura noutro canto, busca, pesquisa, encontra, conhece, e por aí vai. Cada passo, novidade, descobrimento ou luz nova, apontava em uma só direção: o reencontro com o Sonho. Favas contadas, deu-se o encontro.


 
No primeiro momento, como todo ver de novo, alegria, satisfação, tentativa de recuperar o tempo não vivido, botar o papo em dia. Como depois do um, sempre vem o dois, a empolgação inicial foi dando espaço para um visitante intrometido. Era o Medo.

Do tipo folgado, entrou, aboletou-se em poltrona confortável e olhava a todos de cima a baixo. Iria comandar a partir dali. Essa historia de reencontro, era papo de gente besta na opinião dele. O que era antes, permaneceria igualzinho agora - este era o seu mote. Queria mesmo, era chamar o cordeiro de volta...

Olha, a historia é longa... mas prá encurtar, que o tempo é pouco e todo mundo quer usar com propriedade, a Vontade bateu o pé e disse que de lá não sairia. Havia reencontrado o Sonho e tinha certeza que era prá sempre. O Medo, até que titubeou um pouco, diante de tanta firmeza. Combinaram o seguinte: ele permaneceria por ali, fazendo o papel dele. Se essa certeza toda da Vontade e do Sonho fosse prá valer, ele sairia aos poucos - mas nunca completamente.

Amigo, sinto dizer que esse causo não encontrou seu fim. Ainda continua, mas hoje está assim: Sonho, Vontade e Medo convivem de maneira quase harmoniosa. Digo quase, pois desde quando o Medo cumpre com sua promessa e fica quieto no canto? Se não fosse a Determinação ter aparecido nas redondezas, essa história já teria terminado, provavelmente do mesmo jeito que começou.


 
Quando eu souber qual foi o desfecho, volto aqui e te conto.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Quando os olhos se encontraram com as mãos

Eram pequenas e inconstantes.

Mexiam-se de uma maneira estranha, nem tremendo, nem nervosas, existindo apenas. Frágeis e enrugadas, cobertas por uma estranha camada branca, escamando levemente e buscando não se sabe bem o que, exibiam a potencialidade da vida.

Nascia ali, a filha.

Na posição em que ela se encontrava e de um corpo que acabara de sair do seu, as mãos foram as únicas coisas que ela viu. Um lampejo de boca miúda, de carmim intenso também passou na frente de seus olhos. Mas foi breve, muito breve... somente as pequenas mãos permaneceram por perto, alguns instantes a mais. Melhor assim, pensou ela, antes sofrer de saudades somente das mãos, do que já sentir a dor de ainda não ter o todo. Como se, por si só tivessem vida própria, as pequeninas se foram e, pacientemente, ela esperou pelo reencontro.

De todos os sentidos, a visão e a audição, foram as grandes privilegiadas. Uma, pela beleza da dança protagonizada pelas pequeninas mãos diante dos olhos e a outra pela força do choro que anunciou a certeza da vida. Entre o primeiro e o segundo “estar junto”, passaram-se horas construídas com segundos que estavam amarrados a pesos de chumbo. Ela não conseguia dormir, só pensava nos movimentos incertos que presenciara e que seus olhos tiveram a sorte de usufruir.

Felizmente, o tempo cumpriu com sua sina e passou, trazendo o reencontro. De todos os pensamentos que teve durante esta longa espera, nenhum deles – nem remotamente – aproximou-se do que na verdade aconteceu. Eram aproximadamente seis horas da manhã, quando a enfermeira entrou no quarto com o presente dos deuses em seus braços. Os olhos queriam pregar uma peça, pois rapidamente embaçaram a visão. Desta vez, nada iria impedir que o encontro fosse perfeito, muito menos as lágrimas.

Delicadamente, a vida foi colocada em seu colo. No mesmo instante, as mãos foram reconhecidas, assim como o carmim da boca pequenina e seu formato de coração. Com carinho, recebeu auxilio para desabotoar o pijama. Amparando a cabeça da felicidade em vida e assim, apresentou à boca o seio.

Nascia ali, a mãe.



domingo, 19 de setembro de 2010

Um pouquinho todo dia

Parece conselho de vó... De repente, é mesmo Seja lá o que voce quer, basta um pouquinho todo dia. Se voce ama, faça um carinho, todo dia... Se voce deseja, feche os olhos e sonhe, um pouquinho todo dia... Se a balança parece ser do contra, caminhe um pouquinho todo dia... Se é da saúde que voce quer cuidar, coma uma maça todo dia... Se é dor que voce carrega, perdoe um pouquinho a cada dia...

Primos

De maneira geral, sempre rola uma piada relacionada a este grau de parentesco. Do tipo tosco, sem graça e vulgar. Porém existe, em muitos casos, a cumplicidade. De que tipo? Explico. Aquela que, quando voce volta de um lugar longe e chega no lugar de onde partiu, o primo serve de guia, de referencia. É aquele que te deu a mão e voce reconheceu. Te disse, "vem aqui" e voce foi pois confiava no caminho que era apresentado. As palavras, não eram muitas, mas a segurança era total. A idade, era pouca. O carinho, era imenso. E com isso, voce entendeu onde estava.

domingo, 5 de setembro de 2010

Nem pior, nem melhor.

Eram cinco. Estavam praticamente todas sobre a mesma pedra à beira da praia. Os comentários dos adultos ao redor, giravam em torno da natureza e como esta reivindicava seu espaço de direito. “Na minha época, a praia ia até aquela escada... está vendo, lá longe? Foi praticamente engolida pela maré.” “No verão passado, eu já tinha que tomar minha caipirinha no calçadão, não havia espaço na areia, um horror!” “Dotô, num tem mais espaço... deve di sê Deus brabo cum as coisa que nóis faiz. Vô ponhá sua cadeira aqui prá mó de servir u sinhô e a Dona Patricia no capricho!” Alheias a esses comentários e tantos outros, as cinco crianças brincavam com a sensação do medo. As ondas vinham... as crianças pulavam nas pedras, seu porto seguro e gritavam... gargalhavam... som estridente, reconhecidamente infantil e chato. Calem-se, vociferei baixinho. Que alegria irritante. No ir e vir das ondas, meus pensamentos acompanhavam este movimento. Iam mal humorados, voltavam emputecidos. Como pode? De onde vem tanta leveza? Deve ser a idade... Idade esta que não se preocupa com qual é o dia da semana. Muito menos com o horário, temperatura, período de eleição, futuro... O que importa é aqui, este momento, sobre as pedras e as ondas que se aproximam. “Vamos fugir prá elas não nos pegarem!” Grito estúpido, de uma infância que me incomoda. Será que elas não percebem que independente de seus gritos histéricos, as ondas não irão parar com este vai e vem? Elas não percebem que com o passar dos dias, irão envelhecer, desistirão de subir nas pedras para sentir segurança, mudarão seu tom de voz e gritos – nem pensar! Engolirão, cada um de seus sons e, acima de tudo, terão a consciência de que os movimentos das ondas manterá o seu ritmo, mudando apenas de acordo com a lua? Oh, doce ignorância... Meu ímpeto era contar a cada uma delas o que iria acontecer. Mostrar os sinais em meu rosto de como o tempo passa, que isto é incontrolável e que as ondas não importam mais. Que podem gritar o quanto quiserem, ninguém vai ouvir. Muito menos se importar. Dia da semana, mês e ano são apenas medidas entre o nascimento e a morte. Passam, um após o outro, numa sequencia tediosa, longa e desinteressante. Em algum lugar do passado, não me lembro onde, eu também subi em uma pedra. Acho que aquilo se chamava vida. Hoje, é apenas mais um dia da semana.
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