terça-feira, 13 de agosto de 2013

Quase

Vou me casar.
Sério?
É, sério!
Primeiro ou segundo?
Segundo... o primeiro me livrei faz tempo, credo, nem deveria ter me casado, safado. Foi uma tristeza desde o primeiro dia - levanta o braço...
Aiiii... a cera tá quente
Desculpe! Melhorou?
Melhorou... tô meio sensível hoje... mas, se foi ruim desde o primeiro dia, por que se casou?
Menina, acredita que ele preparou todos os papéis, sem me falar - levanta o outro braço - e na hora, fiquei sem graça e casei, assim, sem mais nem menos. Uma tonta. Prestou pra me dar os filhos que tenho, mais nada.
Coisa louca... ai! Hoje vai ser duro, de olhar a cera já dói. E agora, com esse segundo?
Ah!, esse é diferente, já estamos juntos há 7 anos... meu amorzinho, com ele sou feliz - segura a pele aqui pra mim... assim - meus filhos estão felizes por mim, estão mais ansiosos que eu, pode isso?
Qual a idade deles?
25 e 27 anos, já estão casados e tudo... tenho até uma netinha, Carolina, meu dengo. Vai levar as alianças, dessa vez eu caso na igreja.
E onde vocês se conheceram?
Na rua.
Na rua? Antigo isso! Hoje as pessoas se conhecem pela internet.
Pois é, eu estava indo pro forró, tinha acabado de voltar do trabalho quando uma amiga me faz sair de casa. No caminho, indo pegar o taxi, o carro dele para ao meu lado, tomei o maior susto - terminei a frente, pode virar - hoje em dia, a gente fica com medo, né? Tanta violência. Apertei o passo, o carro andou mais um pouco e ele, todo gentil me disse "tem medo não, eu só queria dizer que você é linda. Linda demais!".
Com esse sorriso - ai! - estampado no rosto, parece que o seu medo foi embora rapidinho!
Pois é, menina! Andei mais um pouco, apressada, eu tava assustada, vai saber se ele e o amigo me jogam dentro do carro, Deus me livre! Avançaram com o carro, ele desceu e, de novo, o papo do você é linda. Perguntou onde eu ia, disse que conhecia o lugar, me desejou boa noite e foi embora. E eu, fui pro forro. Segura aqui pra mim, assim... bom, 3 da manhã, olho pro lado e ele está lá, parado, me olhando. Sorri e pede pra eu dançar a última música com ele - acredita que ele ficou me olhando a noite toda!?
Que lindo! Ai! Odeio depilação...
Vira, tá acabando... Eu chamei ele de tiozinho, sabe, na época ele tava bem acabadinho e... ai!
Que foi?
Uma pontada... vai passar...
Onde?
Ai... tá doendo... meu peito... tá forte... meu braço...
Peraí... Dete? Dete? Dete!!!!!



domingo, 11 de agosto de 2013

O pior pai do mundo

Experimenta!
Não.
Experimenta!
Não.

* * *

Quantos dias tem um mês?
12?
Quantos dias tem o ano?
30 ou 31?
Ah!, quer quebrar o lápis? Deixa que eu quebro...

* * *

Olha, você quer mesmo se casar?
Quero.
Tem certeza?
Tenho.
Se você não tiver certeza, eu te levo pra onde você quiser, agora.

* * *

O que você bebeu?
Vodka, cerveja, tequila, pinga e não lembro mais...
Querida, se você tivesse tomado querosene, o porre seria menor...

* * *

Você mordeu a sua irmã?
...
Responde!
...
Você sabe que ela é a pessoa mais importante pra você? Quando eu for embora, quando sua mãe não estiver mais aqui, ELA é a sua família? Responde: você mordeu a sua irmã?
Buáááá...!!!!

* * *

Filha, tamo junto. Aqui, nessa esfera ou em qualquer outra que exista. Sempre.

* * *




segunda-feira, 22 de julho de 2013

Hai Kai - ai

***

Atirou no que viu.
Doeu.
Atiraria de novo...

***

Hipocrisia.
Quem pode, quem se fode?
Vida, que porre!

***

Como banana
Largada no canto
Apodrecendo

***


Bananas
foto: Sylvia Beatrix



sexta-feira, 19 de julho de 2013

Futuro passado

Reparou em cada um dos detalhes da mesa organizada para o jantar. Jamais teria escolhido lírios para a decoração. A entrada estava sem sal, o prato principal crú e a sobremesa, excessivamente doce.
Na verdade, ela futuro do pretérito tudo. Tudinho.

Teria escolhido tons de azul, no lugar do pálido rosa eleito pela anfitriã. Arranjos com flores do campo, seriam mais alegres do que os lírios. Prepararia a receita de família, perfeita para uma ocasião como aquela. Vitelo tonné, seguido do capelletti da Nonna e o manjar dos manjares - pudim de leite, com furinho e tudo! Seria perfeito. Receberia a todos com alegria e prazer. Viveria o momento, pois saberia que a felicidade é feita de instantes, entregaria o melhor de si, conversaria sobre trivialidades, política e besteiras. Falaria muita besteira, principalmente depois que tivesse tomado mais vinho do que acharia correto. Quebraria as regras de vez em quando. Sussurraria obscenidades ao pé do ouvido de seu amado. Lançaria olhares que somente ele compreenderia. Receberia outros de volta. Os convidados elogiariam a recepção, a noite agradável. Precisamos repetir mais vezes, diriam.

Mas o tempo vivido foi outro. E este, não se realizou.

Flores de Itaipava, RJ
foto: Sylvia Beatrix





quarta-feira, 10 de julho de 2013

Desabafo patriótico


Brasil, querido.

Deixa eu te contar uma coisa. A diferença está nos detalhes. Pequenos. Mínimos. Quase desprezíveis. Mesmo assim, fazem a diferença.

Um exemplo. O site de um local informa a hora em que os ingressos serão distribuídos. Nem todo mundo mora perto do local, querido Brasil.
Isso significa que, alguém que more longe e se programe para participar de tal evento, se organiza com maior antecedência. Quer ir? Interrompa o seu almoço familiar para chegar no horário.

E o que é o tempo?

Para nós, Brasil, é uma dádiva dos deuses. Ao nosso bel prazer, certo? (cá entre nós, Brasilzinho amado, como você desfruta desse tempo através de seus cidadãos! Horário pra quê? Bah!).
Bom, como o tempo para você não é dinheiro, pelo menos dinheiro é dinheiro. Certo? Errado! Lembra do site que te informava o horário? Pois é, estava errado. Novas? Não, né? E a desculpa: erro no sistema. Nova? Também não, né?

Brasil, deixa eu te contar.

Devo ser mulher de malandro - tu me dá na cara, mas eu amo. E olha que o Gigante é você, eu tenho um metro e meio e, tô aqui.
Querido, eu sei que pra você as 2 horas que eu vou ficar esperando, mais o valor adicional do estacionamento é, como diriam os americanos, peanuts, dinheiro de pinga, diria meu pai.

Mas de peanuts em peanuts, de pinga em pinga, ficamos nesta situação horrível que ambos nos encontramos.
Eu, morrendo de frio na rua, neste momento em que te escrevo e você, com manifestantes, vândalos, revolucionários, mães, filhos, professores, médicos e o escambau, tacando fogo em suas ruas, prédios e tudo o mais, dia sim, dia não.

Brasil, tá na hora de você me amar como eu te amo. Tá duro, cara. Tá duro.


PS: não é só por causa do ingresso.

"Os Candangos", de Bruno Giorgi
(estátua de bronze, 1957)
foto: Sylvia Beatrix

domingo, 9 de junho de 2013

Mesmo assim, ela chorou

O desfecho já era conhecido. No fim ela morre.
Tudo começou na praia, entre uma caipirinha e fogos de artifício. Um olhar marcante. O adjetivo é comum, o olhar, não. Marcante pelos contornos naturais, pelos fortes desenhos negros e vigorosos do cajal. Olhar convite. Decifra-me. Desafio aceito.
Logo na primeira página a certeza de ter perdido o desafio. Os ganhos seriam outros. Tão intensos quanto o olhar. Desculpe, marcantes. Olhares marcantes. Intensos, foram os sentimentos que entraram pelo umbigo. Pelo umbigo, sem pedir licença, e foram se apoderando visceralmente do que encontravam pela frente. Intestino, estômago, abarcaram pâncreas, rins e vesícula em movimentos quase bruscos. E como se soubessem que o mais fundamental dos órgãos precisasse de mais talento, cuidado e zêlo, diminuiram a velocidade até chegar ao coração. Pela falta de ar que algumas passagens provocavam, foi possível acreditar que os pulmões haviam sido massacrados. Era apenas identificação, cumplicidade. Bruxaria, talvez.
Neste ritmo compassado de quem ama e respeita, o último órgão foi envolvido. O cérebro, inerte e sem vida, por onde só a razão passa, não era foco. Nele algo se alojaria para sempre, sem que força fosse necessária.
Abandonando a impetuosidade inicial, aproximaram-se do coração pedindo licença, com jeito, carinho, manha dengosa. Manha de amor, de bem querer. Ali ficariam por tempo indefinido. Compaixão ou cinismo? Definição sem importância. Já estavam lá.
Como era de se esperar, a avalanche se deu na última página. Clarice morre. Fato conhecido desde a primeira.
Mesmo assim, ela chorou.


Itaipava, RJ
Foto: Sylvia Beatrix

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Prendas domésticas

Chinelo de dedo, unhas pintadas de exagero.
Braço de pele cerzida.
Trinta pontos e cinco arremates.
Entupido de cana e ciúme, Tomas acariciou Nilza com a peixeira. 
Bobagem, diz ela, coisas do amor.









quinta-feira, 23 de maio de 2013

Isto não é uma carta

Isto não é uma carta. É um texto. Um texto num blogue.
As cartas precisam de papel bonito, envelope, remetente e destinatário. E palavras manuscritas com caneta Bic preta, trechos riscados. Palavras que formem um corpo, um conjunto, que expressem o que não se consegue falar.

Cartas começam com data, nome, um cumprimento breve. Dependendo do teor da carta, a saudação cai fora. Pensando bem, melhor manter o protocolo. Mesmo que o conteúdo seja duro, uma introdução é necessária. Olá! Como vai? O que tem feito? Um quebra gelo, uma enrolação qualquer, bobagens para quem está criando coragem. Carta, precisa de coragem.
Mas isto não é uma carta.

Se fosse uma carta, seria de amor. E pra você.
Mas isto não é uma carta, e eu não tenho coragem de escrever que sinto falta. Muita.


Bairro de Pinheiros, SP
foto: Sylvia Beatrix

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Onde ninguém vê

É de barro quem se aproxima, passos colados ao chão sem linha que separe um do outro.
Sem luz começou seu dia e assim vai terminar. O invisível arqueia seus ombros, pesa o andar.
Sentado em frente à porta da casa desgostosa, o mais pequeno espera. 
Os grandes foram com o pai, no mesmo cedo de sempre, sem reclamar. Viveram enxada, terra e semente enquanto o sol observava e nem uma sombra convidava pra refrescar. Se a lida de uns terminava, o guri no alpendre esperava - com olhos que cuidam do horizonte embaciado -  o momento de começar a sua.
A imagem do que pode ser um homem se aproxima e toma seu posto.
O moleque logo se achega, balde e trapo nas mãos.
Encharca o pano, torce um bocado, envolve um dos pés até que a cor troque de lugar. Repete. Encharca o pano, torce um bocado, envolve o outro pé até que a cor troque de lugar. Repete. Encharca o pano, torce um bocado, envolve mais uma vez o primeiro pé, até que a cor volte ao seu lugar.
Bença, pai.



Ouro
foto: Sylvia Beatrix







terça-feira, 9 de abril de 2013

A pilha de alho

Eu tenho medo dos cinco minutos.
Bisa Amélia

Doutor, a gente passa duas horas por dia vindo pro trabalho, oito horas trabalhando e duas horas no caminho de casa. Sem chuva. Não é fácil. Chego em casa e tem coisa para fazer. Se eu gosto do meu trabalho? Gosto sim. O mercado é colorido, animado, tem vida. O senhor conhece a nossa loja? É bonita, grande, mais limpa que a minha casa - e olha que minha patroa é preocupada com essas coisas de limpeza. Sempre ralhando com os meninos. Arruma isso! Limpa essa sujeira! Tira a roupa do chão! Dorinha bota ordem em tudo. O mercado? Logo na entrada é o meu setor, tudo organizado, perfeitinho, banana, melancia, caqui, abacate, no capricho! Dá um trabalhão danado empilhar as frutas, são caixas e mais caixas, haja braço. Quem vê pensa que é fácil. Desgramera é quando tá tudo acertado e a pilha desmonta e sai rolando por debaixo da bancada laranja-manga-limão-mexerica. Acontece de vez em nunca. Podia não ter acontecido. Lasquera. A que horas eu entro? Começo cedo, às cinco, deixo cada coisa no seu lugar, tudo brilhando antes da freguesia chegar - freguesia não, os clientes - o encarregado não deixa a gente chamar as madame de freguesa, diz que é mania de feirante. Quanto tempo? Quase 7 anos. Parece conta de mentiroso, né doutor? Tenho muita história da loja, conquistei respeito, os clientes gostam de mim, tenho bons colegas. A Maria dos frios, o Claudinei do estoque, o seu Durval, o Ponto-e-vírgula da peixaria, as meninas do caixa e agora tem o Estrangeiro! Ele fala tudo enrolado, diz que é brasileiro mas foi embora pro Peru ainda menino de colo. Voltou agora, logo na idade de pegar exército, mas deu sorte, com tatuagem não aceitaram o rapaz. Eu nunca soube que Peru era um país. Só conhecia aqueles que a Maria dos frios fatia como ninguém. As pessoas falam que a máquina corta tudo direitinho. Que nada! Precisa de braço, aquele vai-e-vem, saber limpar as cascas sem cortar a carne fora, ajustar a lâmina para fatiar do jeito que o cliente quer. Se a coisa está bem feita é porque alguém fez, não foi a máquina. Claro que a gente erra também. O senhor tem um copo d'água, por favor? Garganta seca, muito tempo falando. Obrigado. Bom, falei que a nossa loja é uma belezura de tão limpa, mesmo assim tem coisa que a gente não controla. Um azar danado, justo com a dona Lucia, freguesa antiga, chama a gente pelo nome, cumprimenta, pergunta dos filhos. Só falta dar beijinho! Desculpe, doutor, é que ela é bacana mesmo. Ela tem um jeito engraçado, fala alto, é animada, sabe o que quer. Peixe, só compra com o Ponto-e-vírgula. O senhor acredita que numa terça, dia de sacolão na loja, ela escorrega numa folha de alface e se arrebenta toda? O joelho virou prum lado e o corpo pro outro. Uma folha de alface parou Dona Lucia por 6 meses. Depois de um tempo ela voltou, cadeira de rodas, contando que estava fazendo fisioterapia e que faltava pouco para andar. Manteve o sorriso, continuou cumprimentando, chamando pelo nome, mas a loja tomou um processo. Aquilo foi feio, sobrou pra todo mundo. Na loja, até casamento terminou. Eu tava organizando o corredor 5, bolachas, biscoitos, chocolate, quando a mulher mandou um tapa, mas um tapão dos bons na cara do marido. Ele, jeito de sonso, solta um "que é isso!?", ela com um pacote de mentirinha na mão, grita que não aguentava mais, que o casadinho estava ao lado da mentirinha, que aquilo era um sinal, que já tava desconfiada fazia tempo e que viu como ele alisou as laranjas na hora de escolher entre a seleta e a lima - e que ele não alisava ela daquele jeito há um tempão. E que isso era um sinal. Sinal do que, doutor? Os dois largaram todas as compras no carrinho. Ela aos prantos, ele dizendo que não era nada disso, que ela estava enganada, desde quando biscoitinho era sinal de alguma coisa. Vai entender, doutor, vai entender. Cada louco que a gente encontra pela vida. Quem sou eu pra julgar, ainda mais na minha situação? Fui voando pro corredor 8, guardar os potes de sorvete senão, além de ter que colocar tudo o que tinha no carrinho nas prateleiras, a loja ia ter prejuízo. Isso não pode. A faca? Sempre carrego uma por causa da degustação. Uma gentileza e também uma forma de vender o que está quase passando do ponto. Os clientes compram com os olhos e com o estômago. Experimentou, comprou. Se estiverem com fome, levam mais ainda. Como foi? Já disse, não sei explicar, doutor. Me deu uns 5 minutos. Eu tinha acabado de montar a pilha. Veio a madame, toda grossa, me olhando feio. Ela enfiou a mão por baixo de tudo pra escolher uma cabeça de alho. UMA cabeça de alho. Foi alho pra todo lado. Tudo no chão. Uma sujeira, trabalho perdido. Eu já tinha sacudido no ônibus, tomado chuva e cheguei atrasado. Perdi a cabeça. Meti a faca nela. Então doutor, vai me defender?


set, 2012
foto: Sylvia Beatrix

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O que acontece em meu coração

São Paulo. Só não vê poesia na cidade, quem está fechado na alma.

A cidade que amo, abraça a todos, recebe, acolhe. Nem sempre recebe de volta o amor que entrega. E entrega a muitos, que sem parar, todos os dias e de todos os cantos aqui chegam com seus sonhos.

Cidade estrangeira, mistura de homem e terra.
Se hoje a terra que lhe resta é pouca, sobram homens que tenham lhe retirado este vigor.

Mas não a poesia. Não a beleza. Não o calor.

Como mulher mal tratada, aceita os desaforos daquele que mais ama - este homem que habita seu coração e dorme em sua cama, mas não a reconhece.

São Paulo é mulher, perdida em sua masculinidade. Resistente, materna e bela - em toda e qualquer forma.



clicada por: Sylvia Beatrix Pereira
local: Avenida Paulista
horário:  14,46h de uma quarta-feira
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