domingo, 17 de outubro de 2010

Perfume de Guimarães

O coroa destro jogou a roupa sobre o abajur sem se dar conta do perigo que corria com seu gesto.
A fina lâmpada quente, após horas a fio iluminando o pequeno cômodo, não precisava de muito estímulo para partir-se em vários pedaços e, se o infortúnio estivesse espreitando o ambiente, com seu calor inflamar a pinga derramada sobre a mesa.
Se tivesse, por alguns instantes, pensado em seu ato, agiria de forma a concretizar a possibilidade. Para ele, perigo era a sensação de peso que ora possuía, dos anos acumulados, da coroa dentária mal feita, da roupa surrada que o envergonhava e o hediondo abajur, acusador, mostrando o exato tempo que havia passado... era um destro acabado.
As estúpidas topadas que seus incansáveis tortos pés deram ao longo da vida, só criaram calos e dores que hoje o imobilizam.
Em sua cabeça, apenas as palavras soltas e desconexas, acompanhadas dos objetos inexpressivos, lhe davam direção: roupa, coroa, perigo, abajur... e aquela que mais rancor lhe causava, destro!
A vida inteira lhe pareceu acontecer à esquerda...

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