sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sexta feira

Sexta feira, fim do expediente, salão vazio. Dia puxado.
- Shiiiiiirley! Prepara o lavatório, menina! Vou prá terceirinha e última de hoje... Olha o capricho, hein nega. Na lavagem do almoço voce usou muito condicionador, filha. Desse jeito, fica bom não ta? Quero meus cabelos “super mara”, tá?
Resignada, Shirley se prepara para o ritual diário, imaginando como Paulinho se vira sem ela em casa. Será que pede prá mãe? Não, isso não... Ridículo imaginar que, uma bicha quarentona como ele, pede prá mãe lavar seus cabelos tres vezes por dia. Obsessão tem limite!
- Nossa, que dia, hein Shirley? Dona Laura saiu uma rainha... Um luxo! Só eu mesma prá dar jeito naquela cara hor-ro-ro-sa. –
Paulinho coloca a toalha em volta dos ombros, prepara-se para recostar a cabeça, mas antes...
– Shirley, ô Shiiiiiirley! Pega a última “Caras”, fazendo o favor. Tá fresquinha, acabou de chegar, to louca prá ver. É a que tem na capa Lu Gimenez e uns tres camelos. Um dos camelos é o marido dela, que deve carregar muita sacola de compra, isso sim... háháhá!! Trouxa. Repara a cara dele... tá rindo do que, criatura?
Bambi azedo, ela pensa. Não consegue ver alguém feliz que logo tem um comentário. Gente assim não tem espelho em casa, não se olha, pior... nem se enxerga. Xiii, começou a fungar... mal sinal... lá vem...
- Shiiiiiirley! Pega lá minha bolsinha de remédios. Tá na gaveta de achados e perdidos. Procura direito criatura, do lado do caixa. Ai, menina, como voce é atrapalhada! Não consegue encontrar nada mesmo – funga novamente – Essa rinite hoje tá que tá... Tomei meus remédios e nada, ainda me sinto malzinha... Será que é gripe? Não pode ser, já tomei vacina de gripe... créédo! E se for aquela gripe dos porcos? – faz o sinal da cruz – Essa eu ainda não tomei. Pode? Esse governo, criar regra e dizer quem pode ou não pode ser vacinado de graça? Nem te ligo, amanhã mesmo vou agendar a vacina numa clínica. Pago do meu. Mas acho bom também dar uma passadinha no Dr. Afonso, prá dar uma geral, tenho sentido umas dores... já faz um mês que não vou lá, passou da hora!
Com cinco gatos em casa e a mãe passando dos oitenta, impossível não ter rinite, alergia, coceiras, diz Shirley a si mesma observando o inicio de mais um ritual de Paulinho. Ri sozinha. Quantas vezes ele já leu e releu a bula desse remédio? É sempre a mesma coisa.
 - Olha isso, que tristeza, filha... O Roberto tá bem abatido aqui. Enterrar a mãe, não deve ser fácil - novo sinal da cruz – Deus me proteja! Antes disso acontecer comigo, a minha santa vai ter o seu salão... Ah, se vai! Escreve aí, Shirley – daqui há dois anos, monto o salão da minha Dona Clarinha. Só não vai ser em Santos, que prá lá não volto nem MOOOR-TA! Vai ser por aqui mesmo, perto da Praça Roosevelt. A-dooooo-ro o centrão.
Distraida, pensando como uma senhora de oitenta e dois anos cuidaria de um salão, Shirley repara no relógio da parede que marca 20,45h... hora de ligar para Dona Clarinha.
- Mãe, tudo bem com a senhora? Tô terminando, minha linda... Uns vinte minutos... Acho que dá sim... Ô mãe, só a senhora mesmo... brigado, viu? Beijo mãe, até daqui há pouco. Shirley, anda logo com isso filha, que ela já tá preparando a pipoca. Ô coisa boa... tem nada melhor que comer pipoca na panela, quentinha, feita com todo carinho pela minha santa mãezinha. Anda, menina, tá pensando no que?
Pensando em nada. Mecanicamente ela termina seu serviço agradecendo o fato de que depois de amanhã é domingo. Prá ela, bom mesmo é assistir o Silvio na tevê, comendo brigadeiro de colher.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...