terça-feira, 23 de novembro de 2010

Amor barato



Pisava duro, determinada e cheia de raiva, do alto de suas sandálias prateadas, companheiras de guerra e de pagode. Basta!, pensou Marli. 
A caminho do bar, os últimos nove anos passaram - dia a dia - pela sua cabeça. Promessas, juras de amor, bichos de pelúcia, sexo suado com cheiro de cerveja, todos os momentos vividos com Negão foram novamente sentidos a caminho da desforra final.
Ela nem era do tipo que gostava de escândalos, tinha aprendido a ficar quieta e se controlar. Isto era fundamental quando se divide o homem com outra mulher. Mas tudo tem limite e, desta vez, ele ultrapassou. E muito.
Marli estava com Dr. Pedrosa, dentista do bairro, terminando de consertar uma ponte que havia caído da maneira mais estúpida que se poderia pensar. Na noite anterior, um dos clientes estúpidos, em um movimento estúpido, bem na hora do meia-nove, acerta uma joelhada na boca de Marli. Além do nocaute sofrido, uma ponte dentária perdida.
A recepção do consultório do Dr. Pedrosa, parece um salão de beleza, tão grande é a algazarra e falação de quem está esperando para ser atendido. Uma muvuca.
Foi ali, de boca aberta, cheia de parafernálias enfiadas na boca, que ela ouviu a história que mudaria tudo.
Reconheceu as vozes de Edileide e Márcia, conversando na recepção. O assunto era Negão e a imbecil da mulher dele, Nicéia.
Na verdade, mulher era força de expressão, pois eles não eram casados. Moravam juntos há catorze anos, mesma idade do descuido dos dois, Benedito.
Desde então, pelo "bem do menino", moram na mesma casa.
No bar do Joca - o local onde tudo é celebrado no bairro, de nascimento a enterro, de casamento a separação - semana sim, semana não, um dos dois aparece com olho roxo, arranhões pelo corpo, cabelos desgrenhados e cheirando a pinga. Outra briga. Para quem quiser ouvir, o discurso é sempre o mesmo - ou vai matar, ou vai morrer, que esta foi a última vez, isso nunca mais vai acontecer, que não se pode viver assim, blá blá blá.
Foi em um desses dias que Marli se apaixonou por Negão. Aquele homem, machucado por dentro e por fora, urrando feito animal as suas dores, mexeu com ela. Sem conseguir controlar seus impulsos, levantou-se, foi ao banheiro, molhou um chumaço de papel higienico e, na volta, foi limpar as feridas que Negão apresentava.
A partir deste momento, o resto é história...
Márcia, voz alta, parecendo uma gralha contava, a quem quisesse ouvir na recepção do consultório, que Negão e Nicéia estavam ficando noivos, no bar do Joca, com tudo o que tinham direito. Inclusive, anel de noivado.
Edileide, soltava exclamações a torto e à direito, como se realmente estivesse feliz ou se importando com os dois. O que ela queria mesmo, era sair logo do dentista e ir para o regabofe.
Marli, quase engoliu  o espelhinho que Dr. Pedrosa tinha em mãos.
Filho da puta!, gritou ao mesmo tempo que chutava a mesa de apoio do dentista, fazendo com que espéculos, pinças, bisturis e um sem nome de instrumentos voassem pelos ares. Isso não ia ficar assim.
Dr. Pedrosa, bem que tentou, mas foi inútil tentar domar a fera que neste momento nascia incontrolável. Marli saiu enfurecida.
Chegando ao bar, qualquer lembrança carinhosa que tivesse, sumiu.
A cena, por si só, era mais do que suficiente e, neste momento, lembrou-se da frase sempre repetida pela sua avó, que desgraça pouca é bobagem e sempre vem acompanhada.
Lá estava Nicéia... bebendo... sorrindo... rebolando e... com um anel no dedo direito. Era verdade, o fato estava sendo consumado.
Não bastasse a vergonha dos anos escondida, engolindo, amando em segredo mas sempre acreditando, agora havia um troféu escancarado em sua cara mostrando a sua derrota. E não era um troféu qualquer. Era um troféu de noivado.
Lá estava ele, um anel de um rosa tão intenso, como ela nunca vira na vida. Em meio àquele sacolejo todo, ele se destacava, como coisa de madame rica, chique, rosa, intenso. Era demais para ela. Ficou cega de ódio.
A partir daquele momento, Marli não se lembra mais com clareza o que aconteceu - mas a vizinhança se lembra dos detalhes até hoje.
Marli, voou para cima de Nicéia com uma fúria só vista nas lutas de vale tudo - não havia quem conseguisse desgrudar as unhas de uma cravadas no pescoço da outra.
Mesas, cadeiras, garrafas quebradas, "deixa disso" prá cá e prá lá, choro de criança, tudo misturado ao mesmo tempo, ninguém mais conseguia identificar quem batia e quem apanhava. Sobrou geral.
De repente, no meio da fuzarca toda, um grito lancinante, longo, doído se fez ouvir por todo o bar. Todos pararam. Meu anel sumiu!, gritou Niceia, ao mesmo tempo que caía de quatro no chão procurando desesperada pelo seu troféu.
Marli, escorraçada, é posta na rua, longe do bar, enxotada como um cão.
A sandália prata, sem um dos saltos...
A ponte, recém constituída, caiu de novo...
No rosto, os arranhões ensanguentados...
No corpo, hematomas por toda a parte...
No canto da boca, um sorriso...
O anel, agora era seu.

Niceia que ficasse com Negão.

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