quinta-feira, 21 de abril de 2011

Agora é hora de alegria

Alguém que tenha em seu curriculum vitae dois casamentos, dois filhos, dois enteados, duas sogras, cinco cunhados, uma irmã, sete tios, um padrasto, quatro avós, catorze primos e aproximadamente dois mil, quatrocentos e noventa domingos, pode dizer, assim de chofre, que o almoço dominical familiar não tem cor, nem credo: c'est tout la même chose.

Antes de me tornar uma das protagonistas de cenas óbvias, como apertar entusiasticamente bochechas rosadas exclamando “Como você cresceu!”, e na seqüência emendar com o famoso “precisamos nos ver mais vezes”, fui parte integrante do casting de apoio desta peça pessoal que está em cartaz há mais tempo que “Trair e Coçar”. 

É bem verdade que cenário, figurino e alguns atores mudaram ao longo do tempo, mas o enredo passou por pouquíssimas revisões. Alguns modismos foram incorporados, coisa que ninguém merece e está longe de ser chique no último, mas desde que me entendo por gente e vejo o Tarcísio Meira fazendo papel de galã às oito da noite, esta sutil reciclagem acontece. Porém, em nenhuma destas revisões – uma só vez que fosse – incluiu a correção dos erros de português cometidos pela famiglia. Isso, nem a pau, Juvenal – a manutenção de “um chopps e dois pastel” é uma questão de honra!

A principal diferença entre a tradicional lasanha bolonhesa da nonna, com massa caseira e molho de tomate pelado italiano, cozido por horas a fio até chegar ao ponto ideal para só então receber as mini-micro-minúsculas “porpetas”, enroladas uma a uma na noite anterior enquanto a conversa flui com a TV da cozinha ligada, e o sarapatel de mãinha carregado de coentro, hortelã e salsinha, miúdos de porco milimetricamente cortados, que também é preparado por horas intermináveis, está no cheiro do palco de quem preparou a iguaria, ou seja, a cozinha. Entram em cena aqui, as fiéis escudeiras – Dilma, Maria ou Luzinete - que há muito tempo acompanham todos os nossos personagens, choram com os nascimentos, sentem as partidas, mas chova ou faça sol, estão com o roteiro na ponta da língua.

Pode ser que, pelo fato do movimento de emancipação feminina ter sido iniciado na terra do fast food e longe dos fogões, alguns belos sutiãs foram queimados à toa. Quando a comida ansiosamente aguardada e fumegante chega à mesa em travessas pirex, envoltas por panos de prato e acompanhadas dos gritos de “tá quente!” e “abre espaço na mesa!”, neste momento os homens se aboletam ao redor da mesa e esperam para serem servidos. As amélias entram em cena e Simone de Beauvoir rola de raiva no túmulo. Uma porção disso, aquilo não quero, põe um pouco mais de molho, arroz não precisa e, assim que terminam esta etapa, partem para a próxima que é servir os filhos. Esta é muito mais rápida, pois estando entupidos de salgadinhos diversos, dizem não à praticamente tudo. Ritual terminado é chegada a nossa vez. Sim, eu perpetuo este ritual... Esse papo de mulheres e crianças primeiro, só em naufrágio de navio. Chico cantou algo a este respeito, por isso imagino que em Atenas seja assim também. 

Tanto na família ítalo-paulistana quanto na carioca-nordestina a quantidade de comida servida alimenta os meus, os teus e os nossos, e também as  torcidas do Flamengo e do Corinthians. E pode ser que sobre para a quentinha.

Campeonato paulista, carioca, baiano, italiano e espanhol; peteca, bolinha de gude, automobilismo e tênis, são os temas para a conversa masculina, enquanto a novela, o casamento real britânico, botox e o melhor produto para cabelos ressecados, permeiam o bate papo feminino. Assuntos comuns aos dois lados desta moeda são o transito nas cidades, a falta de tempo e o cenário político nacional. Se a discussão não aconteceu na hora do futebol, pode ser que aconteça aqui. Hora de oferecer um licorzinho e o café.

Na proporção de seis “boa noite” do William Bonner para um “vamos sorrir e cantar” de Silvio Santos é que esta e outras histórias são lentamente construídas. Marcas, nem sempre aparentes mas muitas vezes expostas em terapia, acrescentam um ineditismo a cada uma delas que só encontramos paralelo nas impressões digitais.

O domingo de número dois mil, quatrocentos e noventa e um terminou e só me resta ter aproveitado este espetáculo da melhor maneira possível e aguardar pelo próximo, para dar continuidade aos capítulos desta biografia.

O que ela conta e como, quem escreve sou eu. Já o epílogo...



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