quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Família, família


Meu pai era pão duro e adorava robôs. Seus ídolos eram o Tio Patinhas e o Professor
Pardal. Desnecessário explicar.

Guardava as migalhas de pão para fazer farinha de rosca. Não só as dele. Hoje alguns de seus hábitos, considerados bizarros na época, deixam qualquer militante do Greenpeace orgulhoso. Alguns, ainda são bizarros, independente da militância.
Essa mania de guardar tudo e reutilizar fez com que criasse seu próprio esconderijo. A famosa, entre amigos e familiares, "Casinha".

Tijolos aparentes, telhas de cerâmica, porta e janelas de madeira marrom, originalmente uma casinha de boneca para que eu e minha irmã tivéssemos onde brincar. Como se o imenso quintal e o pomar fossem insuficientes para nós duas, os três cachorros, os galos e galinhas que corriam por ali. Em pleno Brooklin, um mini sitio.

Minha irmã se encantava com as goiabeiras, o limoeiro, os pés de cana, a laranjeira e ficava boa parte do seu tempo livre, brincando por ali. Eu, ficava enfiada em livros e televisão - era uma chata mesmo. A "Casinha" ficou abandonada. Por pouco tempo.

Inconformado com o desperdício de tempo e dinheiro investidos, materiais e otras cositas más, meu pai apropriou-se do local.

Quinquilharia era o que não faltava. Bule sem tampa, luminária com fiação estragada, ferro de passar roupa quebrado. Pensou em alguma coisa velha, quebrada, capenga? Tinha.

Suas ferramentas, chave inglesa, serrote, martelo, porcaparafusoprego foram todas para o novo habitat. Para alívio de minha mãe que não aguentava mais tudo aquilo na sala. Organizado é verdade, mas ainda assim, estavam na sala.

As inúmeras caixinhas de fósforos, com os respectivos já usados dentro, os tocos de cigarros e os maços de Continental sem filtro, ocuparam um lugar especial. Sempre achei que ele fumava tanto, um seguido do outro, para aproveitar o fogo de um cigarro já aceso. Imaginação fértil de menina, é verdade, mas meu pai dava margem a pensamentos esdrúxulos como esse. Ô, se dava... parava na rua, de sopetão para pegar moedinhas - qualquer moedinha. Chegou a comprar uma carteira nova com as moedas recolhidas - a velha, deu prá mim. Sem moeda. Nem de um centavo. Nada.

Após o jantar, entrava na "Casinha" e por lá ficava até bater o sono. Tinha tudo o que precisava. Televisão, aparelho de som e radio amador. Se tivesse cama e um mini bar, deixaria de ser "Casinha" e passaria a ser "Lar". Dele.

Do lado de fora, ouvir o barulho do serrote, da furadeira ou das marteladas, deixava mãe e filhas curiosas. Algumas vezes, a atividade praticada gerava um apagão. Estávamos acostumadas, só irritava quando acontecia no dia do ultimo capítulo da novela.

Com ele descobri a palavra traquitana. Ele dizia que era robótica, em estado inicial e puro. Aceitei, pai é pai. Em sua biblioteca, títulos curiosos "Eu, autômato" e escritores arrojados como Isaac Asimov ou Aldous Huxley estavam presentes. Domingo, era dia de acordar com Strauss e seus marcantes tímpanos e tambores, acompanhados das trompas e trombones e aquele tãntãããn!!!!! fabuloso de "Also Sprach Zaratustra". Eu ficava esperando a hora que uma nave espacial entraria pela janela do meu quarto.

Continuo esperando.

3 comentários:

  1. Sylvoca querida, é sempre um grande prazer ler seu blog. Este "post" em especial me emocionou muito.
    Obrigada pelo momento "vintage".
    bjs Celina

    ResponderExcluir
  2. Que texto mais lindo. Pelo que vejo, também você aprendeu com ele a reutilizar as coisas.
    Lindo texto. Transformou pedacinhos de memória numa linda história.

    ResponderExcluir
  3. Querida Amiga.

    Faço das palavras da Giovanna Vilela as minhas;
    Que texto mais lindo.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...