terça-feira, 30 de outubro de 2012

Surdez

Braços cruzados, apoiada no portão da frente de sua casa geminada, no bairro de Pinheiros. Cabelos brancos, curtos e lisos, avental puído com o nome de loja de cama e mesa, bordado gasto e marcas de gordura. O vestido também já teve vida.

- Moça, por favor. Desculpe interromper a sua caminhada, mas gostaria de saber se você ou alguém de sua família recebem pensão do INSS.

Com pressa e sem ouvidos, uso as mãos na tentativa de descartar a conversa. Inútil. A senhora é mais hábil e bondosa do que eu, consegue esticar a conversa.

- Sabe que agora estão pedindo prova de vida, assim, sem avisar? Num mês você recebe a pensão direitinho, no outro, nada! Estou fazendo uma campanha, aqui no portão, para avisar o maior número de pessoas que posso. A senhora é fotógrafa?

O coração estava acelerado, sinal de que você não estou onde gostaria, nem tendo a conversa que desejava. Se o coração queria sair, nem que fosse pela boca, um dos ouvidos começou a se interessar pela senhora. O outro continuou surdo.

- Eu não conheço por aqui um lugar para consertar câmeras, mas na Rua Quintana sei que tem. Só não sei que tipo de conserto eles fazem. É possível uma coisa dessas? Olha, desculpe te interromper assim, mas foi a única maneira de avisar as pessoas. Pedem prova de vida sem avisar!

O coração ansioso para sair pela boca e o ouvido surdo, ganharam. Sorri e fui embora.





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