segunda-feira, 5 de março de 2012

Breve, tolo e poderoso


Sentia-se como os galhos secos e retorcidos que a encantavam no Central Park. Não precisava do vento que batia em seu rosto para saber que era inverno. Ela vivia o inverno. Presenteou-se com uma viagem à Nova York. O verão é a sua estação predileta, mas optou por buscar um certo equilíbrio escolhendo viajar em fevereiro para a Big Apple. Coerência. Poderia caminhar tranquilamente por todos os lados e não seria notada. Nada com o que já não estivesse acostumada. Nos últimos anos foi se esquecendo de sua condição feminina e de mulher. Era mais fácil assim e menos dolorido. Quando pensava no assunto, fazia uma piadinha particular. "Só dói quando eu rio..." Já não ria tanto. Naquela tarde resolveu aproveitar as liquidações na Saks. Como se fizesse grande diferença. Seu bolso pactuava com a Century 21, perto do Ground Zero. Fez outra piada de mal gosto e politicamente incorreta para si mesma, sobre buracos, catástrofes e sua conta bancária. Depois de conferir todos os departamentos da loja, marcar um horário para manicure e cabelo que não seria cumprido, sentou-se em uma cadeirinha da MAC para fazer a maquiagem. Pelo preço de dois batons, uma massagem no ego grátis. A bicha de Porto Rico era uma simpatia. Fez muitas perguntas sobre o Brasil, disse que seu parceiro queria conhecer o país, que o faturamento da MAC brasileira bateu todas as outras lojas do mundo e que sim, em Nova York ninguém olha prá ninguém. É uma cidade populosa com gente invisível. Suspirou. Ninguém olhava para ela daquele jeito há muito tempo. Quarenta e cinco minutos depois, cílios imensos e boca Russian Red A91, gostou do resultado. Sentiu um certo poder e uma beleza esquecida. Agradeceu, inusitados dois beijinhos foram trocados, pagou e foi em direção ao hotel. Não sem antes parar no estande da Chanel e passar nos pulsos e atrás das orelhas o perfume em oferta. Empurrou as duas pesadas portas da saída, ajeitou o casaco e pumba! deu um encontrão. Ooops, sorry, saiu automaticamente. O homem alto e apressado, fez um gesto com a cabeça e seguiu seu caminho. Ninguém pára em Nova York, nem para se desculpar. Ambos seguiram na mesma direção, ela com a cabeça na lua, enebriada pelo perfume e satisfeita com a imagem refletida no espelho e ele... virando para olhar para ela. Num primeiro momento, ela ficou desconfortável, será que o Russian Red me deixou com cara de palhaça? Serão os cílios? Aos poucos, começou a entender... estava sendo vista. Daquele jeito. Admirada! Ele caminhava e sem ser discreto, virava a cabeça e a procurava. As mãos dela começaram a transpirar, bem pouquinho... a pulsação acelerou. Quanto tempo fazia? Nem se lembrava mais... paquera, flerte, interesse...  e em Nova York! Abriu um sorriso de menina sem graça, teve a impressão que corava. Quantas vezes ele olhou para trás? O suficiente. Algo dentro dela derretia. Sonhou e agradeceu. Benditos sejam os longos quarteirões novaiorquinos. Ao chegar no cruzamento da 5a com 47th, o flerte teve fim. Não sem antes um último olhar e um aceno "see you" que nunca se concretizaria. Sentiu-se primavera. Decidida, retornou por onde veio, de volta à Saks. O rombo no seu cartão de crédito seria bem menor que o das Torres Gemeas.

2 comentários:

  1. Ah! que mulher não se derreteria com umas olhadinhas como estas? Toda mulher é linda, quando se sente linda... Há olhos para todas nos...

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  2. O poder de um olhar... simples, né?

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